ASCENSÃO DA HOUSE MUSIC!

07/04/2021

Como estamos completamente sintonizados com a mensagem de Chuck Roberts, em My House, não buscamos definir uma ascensão única, progressista da House Music, mas desejamos compreender alguns acontecimentos cruciais que tanto são discutidos e pensados quando costumam pensar uma história da House Music. Então, acompanha nossa brisa, nosso passeio por fatos, nomes e questões importantes em torno da cultura House. Estamos indo diretamente para os Estados Unidos, mais especificamente, Chicago, ano 1979. Por que? 

Vamos lá. Nesse ano, a cultura musical de Chicago era inovadora, movimentada e expansiva, como sempre foi, e ela estava passando por uma transição interessante de se contar com bastante calma, mesmo que não parecesse naquela época. Tem certas movimentações no curso da história que realmente demoram um pouco para visualizarmos com atenção e com complexidade. As bandas Styx, Chicago, REO Speedwagon, Head East e Cheap Trick estavam entre as bandas de rock mais populares de Chicago, mesmo nem todas fosse de Chicago, mas se unificavam nessa geografia de Chicago. O Jazz, blues e o soul tinham sua vitalidade, mas não dominavam o cenário comercial. Infelizmente, acho que podemos dizer dessa maneira, o que atraiu os olhos do mundo para Chicago, naquele ano, foi um recorde de novidades de Steve Dahl. Em 1978, ele havia sido demitido por seu empregador de longa data WDAI (94.7) depois que mudou seu formato de rock para disco. Parte de suas reposta foi lançar Do You Think I'm Disco em uma pequena gravadora country independente chamada Ovation. O single parodiou o hit de Rod Stewart Do Ya Think I'm Sexy, fomentando uma revolta reacionária contra a discoteca mainstream (Saturday Night Fever, Studio 54, Cocaine e polyester three-piece suits). Dahl alcança, então, o número 58 da Billboard Hot 100. Ora, o single fazia parte de um movimento anti-disco que o DJ estava travando o ano todo. Quando o cantor de discoteca Van McCoy, que fez um grande sucesso em 1975 com The Hustle, sofreu um ataque cardíaco fatal em 6 de julho, Dahl destruiu uma cópia do disco no ar.

"Disco Sucks" DJ Steve Dahl na Disco Demolition na Comiskey Park em 12 de Junho de 1979 (Foto de Getty Images/Paul Netkin)
"Disco Sucks" DJ Steve Dahl na Disco Demolition na Comiskey Park em 12 de Junho de 1979 (Foto de Getty Images/Paul Netkin)

Os esforços dos DJs culminaram em algo ainda mais trágico: criação de um evento apelidado de Disco Demolition Night. Os fãs poderiam conseguir ingressos para uma rodada dupla em 12 de julho contra o Detroit Tigers por pouco menos de um dólar se trouxessem um discoteca para contribuir para o desfecho da noite, que seria algo marcado como noite anti-disco na história. Uma caixa gigante foi montada no campo externo e cheia de discos e explosivos, e após o primeiro jogo, que os Sox perderam, Dahl, vestido com camuflagem militar e usando capacete de soldado, dirigiu um jipe para o campo. Ora, isso lembra alguma coisa? Alguma analogia com alguma ideologia específica e totalitária? A simbologia remete a algo recorrente? Steve Dahl insistia que aquela noite não passava de uma grande celebração de amor ao rock. Se formos sintonizar com a história do jazz, como narra Karl Koening no seu livro Jazz in Print (2002), em que reúne uma série de notícias publicadas do ano de 1856 à 1929 de ataques a cultura do jazz e aqueles que a antecederam, podemos, quem sabe, fazer pensar que isso diga respeito a algo ainda mais grave mesmo. A imprensa atacava o jazz de maneira extremamente ostensiva: jazz, esse estilo primitivo, selvagem, um problema para o país e um perigo para as gerações mais novas. Ou, na fala de Fenton Bott (membro da American National Association Masters of Dancing), professor de dança, seguindo o prazer de conservar o totalitarismo na dança que vem desde o Balé Clássico: o jazz é simplesmente podre. Ele pertence ao submundo (…). Ele deve ir e deixar o espaço para uma dança limpa e saudável.

A multidão — dominada por crianças amantes do rock mais do que fãs de beisebol — foi louca, enxameando o campo em uma névoa comemorativa. A polícia parece nem ter respondido a altura. O campo ficou tão prejudicado, que os Sox foram forçados a perder o segundo jogo. Era nítido. Steve Dahl estava ali fazendo uma das manifestações mais escancaradamente racistas e homofóbicas da história. Desdobra-se dali uma divisão na música popular de Chicago que perdura até os dias de hoje. Se formos sintonizar com o funk carioca, o pânico moral midiático também aconteceu de uma maneira que chegou a isolar ainda mais o gênero, mas que não conseguiu barrar sua circulação bombástica que insiste até os dias de hoje e circula o mundo. Isto é, podemos pensar que as práticas de cancelamento de culturas de raízes negras e africanas são frequentes na história. Elas parecem surfar como um sintoma que só se refaz para insistir em violentar essas culturas.

  

Cena da Disco Demolition Night. (Foto da Getty Images/Paul Natkin)
Cena da Disco Demolition Night. (Foto da Getty Images/Paul Natkin)

O pioneiro, DJ Frankie Knuckles afirmou de maneira certa, algo que ficou famoso: house é a revanche da discoteca. Essa palavras mostram, com o tempo, como ele tinha e tem razão. Em 1979, o que viria a se tornar house music, já havia se enraizado oficialmente entre um segmento gay da população negra da cidade, através de festas noturnas em bares, em clubs, como Warehouse, fundado pelo Robert William de Nova York, alguns anos antes. Então, por falar em Frankie Knuckles, nessa época, era conhecida uma movimentação subcultural próspera de jovens DJs negros, onde Knuckles estava incluído. Ele influenciou boa parte dos DJs da época e que fez seu nome na Warehouse. Todavia, para chegarmos, certeiramente, na fama de Knuckles, precisamos falar de suposto arquiteto da House Music: Vince Lawrence. Sempre se contentou em trabalhar nos bastidores, digamos assim, mas fez bastante coisa que revoluciona essa cena da House Music. Ele era um chicagoano, de fato. Morou em mais de 10 lugares em Chicago. O pai dele trabalhava com Eddie Thomas, que era nada mais e nada menos, que parceiro de Curtis Mayfield na Curtom Records. Ele tinha uma pequena gravadora de blues e R&B própria. Na época em que Vince Lawrence tinha 15, 16 anos, seu pai o mostrou todo o processo de fazer discos. Foi daí que saiu o disco Fast Cars. Ora, Lawrence estava conectado com Stevie Wonder, Michael Jackson, Parliament-Funkadelic, etc. Ele estava se enturmando com as sonoridades com sintetizadores. Seu primero sintetizador foi um Moog Prodigy que, inclusive, foi roubado dele após uns anos. Foi com a montagem de Fast Cars (1983), que surgiu a banda Z-Factor.

Vince Lawrence com 46 anos. (foto de Steven Koress)
Vince Lawrence com 46 anos. (foto de Steven Koress)

A questão é que haviam muitas pessoas na década de 80 fazendo músicas assim como Vince Lawrence. Aí, podemos situar muito bem o nome de Frankie Knuckles. Muitos situam, essa época, como um momento de fim da cena new wave e o aparecimento de uma suposta cena industrial. Ao ir a Warehouse, ouvir Knuckles tocando pela primeira vez, Lawrence relata que foi dali que ele decidiu pensar em novos registros, registros ainda melhores. Lawrence era um adolescente vivenciando toda essa atmosfera. Os sistemas de som de Knuckles eram fascinantes. Segundo ele, Knuckles era da vanguarda. Haviam muitos outros DJs na mesma pegada, como Mike Ezebukwu e Ron Hardy, DJs que faziam várias misturas de disco com soul. Lawrence conta de uma figura chamada Herb Kent. Kent cria um show, por sugestão da filha, chamado Stay Up and Punk Out porque haviam crianças negras em Hyde Park que estavam ouvindo os B-52s e outros discos similares. Ora, registros da new wave. Lawrence conta que sua influência também vem daí, onde via Kent tocando discos de soul, discos da disco e discos new wave, no mesmo conjunto. Você ouviria Parliament-Funkadelic e Kraftwerk de costas. Um formato completamente aberto. 

 Estamos chegando em algo muito importante sobre Lawrence para a ascensão, ou mesmo a arquitetura, da House Music. A primeira contribuição de Lawrence foi em On and On de Jesse Saunders. Saunders, primeiro, junta-se ao Z-Factor e gravam Fantasy, Secret Agent Eyes, My Ride, um monte de new wave. Cruzavam disco e Prince. Tudo isso vem a se tornar o álbum Dance Party da Z-Factor. Ora, On and On é uma clonagem da música Fantasy, sendo lançado como On and On. A partir daí, Lawrence passa a fazer um trabalho de distribuir e fomentar nos clubs, cobrindo festas, garantindo que as pessoas tivessem pelo menos uma cópia. Começou uma certa rede de varejistas para distribuir seus registros. A atitude de Lawrence foi encorajar as pessoas: se eu fiz um disco, você também pode fazer.


Frankie Knuckles. (foto de Al Pereira/Michael Ochs Archives/Getty Images)
Frankie Knuckles. (foto de Al Pereira/Michael Ochs Archives/Getty Images)

Para não perdermos Frankie Knuckles de vista, vamos lá. Knuckles surge nos primórdios da discoteca em Nova York. Era um frequentador regular do The Loft. A pedido de Robert William, proprietário da Warehouse, muda-se para o Centro-Oeste, em 1977, passando a impressionar multidões depois da meia-noite com sessões de 12 horas não apenas de discoteca e R&B, mas de rock e new wave. Ele tocava uma mesma música, com sintetizadores, durante meia hora, drenando a energia de dançarinos na pista. Em 1983, ele estava abrigado em um novo lugar, a Power Plant, usando uma bateria eletrônica que havia pego de um garoto de Detroit chamado Derrick May, que começou a vir para Chicago para visitar sua mãe, dirigindo quatro horas de carro quase todos os fins de semana apenas para ver Knuckles movimentando pisos com sua magia. 

 A questão é que o estilo DJ de Knuckles estava se espalhando muito rapidamente. Até começou a ter um nome, quando, dirigindo de South Side, em 1981, ele avista uma placa: nós tocamos house music! E pergunta: o que é isso? Seu amigo responde: é aquilo lá que você toca! Ora, havia, então, uma seção de uma loja local chamada Imports com House Music no cabeçalho. Parece que o termo estava sendo utilizado por uma rádio graças aos DJs Hot Mix 5, girando sábado a noite na rádio WBMX-FM. A escritora Jane Lerner, de Chicago, lembra de um acampamento em Winsconsin: algumas crianças continuavam falando sobre house music: "j-j-j-j-ack the house!". Eram crianças brancas de classe média alta. Todavia, o núcleo de jovem fandom da House Music veio dos bairros negros. Eles se reuniam nas tardes de sábado em uma preparação católica do South Side chamada Mendel High School, onde alguns adolescentes dançavam ao som de DJs locais. Ninguém era de classe média alta na cena doméstica de Chicago, diz Charles Little II, que participava regularmente das festas Mendel. Era tudo preto e era tudo gay. Era tudo rua. Você acompanhava os caras lá dançando house music, girando parecendo dançarinos de balé. Mas quando você olha para o cara, ele tem tatuagens de gangues da ponta da cabeça aos pés. Eles estão preparados para lutar.

Mendel High recebeu todos os DJs locais dignos de nota: Knuckles, Ron Hardy da Muzic Box (o novo clube de Robert William), Farley Keith do Hot Mix 5 e seu colega de quarto Steve "Silk"Hurley e os membros da Chosen Few, liderados pelo futuro homem de A&R Wayne Williams. Outro membro do Chosen Few era o meio-irmão de Wayne, Jesse Saunders. Ele mesmo, o que recebe uma contribuição decisiva de Vince Lawrence. Jesse Saunders era o cara que estava fazendo versões mais longas de suas faixas de dança favoritas com o botão de pausa de um deck de fita. Diz ele à EMP: eu estenderia a pausa da bateria e as partes de introdução, as partes musicais onde ele simplesmente quebraria com o baixo ou numa pequena linha em que ele estava cantando e pronto. Em meados dos anos 80, Saunders estava começando a salgar suas misturas com coisas mais eletrônicas: discos de importação europeus e coisas como "Satefy Dance" de Men Without Hats, novos tipos de discos wave-ish: "Mesopotamia" do B-52, um pouco de reggae. Ele tinha uma residência no Playground, onde brincavam umas 1.500 à 2.000 crianças por noite, não só de South Side, mas de Chicago inteira. Lawrence conta algo importante: uma noite, Kenny "Jammin" Jason, da WBMX, estava tocando um set no Playground e trouxe um teclado Casio para acompanhar. Diz Saunders à EMP: eu saí correndo e comprei um desses e comecei a brincar com ele, e comecei a me jogar em um set. Logo depois disso, eu tinha uma bateria eletrônica, uma TR-606 da Roland. E eu programava padrões de bateria lá dentro e misturava dentro e fora dos padrões da bateria. Pensei… eu quero fazer um disco agora!

Em 1984, eles precisariam de material extra, porque On and On havia vendido circulado para milhares de pessoas. Esse disco deu um pontapé inicial de uma tonelada de produtores. O próprio Marshall Jefferson comenta: esse foi o disco mais importante para mim do século XX, porque deixou aqueles que não eram músicos saberem que podiam fazer música. Marshall Jefferson que começa a gravar em 1984 continua: foi a revolução, cara. Todo mundo, seu irmão, sua tia, seu tio, começaram a fazer música depois disso. Lawrence, Saunders e seu amigo Duane Buford começaram uma gravadora chamada Jes'Say para lançar On and On, mas à medida que começaram a trazer faixas de estilos semelhantes com equipamentos baratos e descartados, como o sintetizador de baixo Roland TB-303, ele fizeram um acordo com o mestre da Precision. Diz Lawrence: eu me aproximei de Larry e disse que tínhamos registros que são quentes, mas só podemos lançar um por vez. Se você pressionar, dividimos o dinheiro. Eles começaram a trabalhar juntos para criar uma nova gravadora: Trax Records, começando no início de 1985 com Wanna Dance? de Le'Noiz. O título do lado B que ecoou a resposta que Chicago e o mundo dariam nos próximos anos e que testemunhamos até hoje.

Fontes: Pitchfork e Grid Face

Texto: Jônatas Joca 

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